Em São João del-Rei, a cultura não é espetáculo. É a própria vida. E também não é evento. Pelo contrário, nesta terra a cultura cumpre-se naturalmente. Faz parte do cotidiano, pontuando o passar do tempo, o correr dos dias, o mudar das estações, o escorrer da existência. Emoção, beleza, tradição, delicadeza, sentimento, recordação, crença, imaginação, verdade - arte para todos, por toda parte.
Cultura e arte constituem de tal modo a realidade do centro histórico, que praticamente não são percebidas como tal, pelos próprios são-joanenses, nem próximos, nem distantes. O que em outras cidades seria visto e valorizado como um raro acontecimento extraordinário, entre nós é algo que já foi incorporado à nossa essência e faz parte de nosso dia a dia, resgatando, refazendo, reavivando efortalecendo nossos laços com nós mesmos. Com nossas memórias, nossas lembranças, nossas origens, nossas energias vitais e nossas emoções ancestrais.
Principalmente (e muito principalmente!) preservada tanto como fé quanto como tradição pela igreja católica, com a participação das orquestras bicentenárias, bandas de música, irmandades e da própria comunidade, a cultura cotidiana de nossa São João del-Rei é exata e impecável. Nada falta ou excede nas cerimônias, celebrações, solenidades, festividades, repetidas ininterruptamente "per saecula saeculorum", mas que, a cada vez que se realizam, despertam o encantamento e a emoção que causaram quando foram assistidas pela primeira vez.
No mês de novembro, por exemplo, que em geral não parece ser no Brasil um tempo culturalmente fértil, no centro histórico de São João del-Rei é um período de intensa atividade identitária. Do anoitecer do dia primeiro, Dia de Todos os Santos e véspera de Finados, até a noite dia 17, várias vezes por dia os sinos das irmandades, confrarias e ordens terceiras, cada uma a seu tempo, dobram fúnebres, anunciando as missas de réquiem, que são celebradas em dias próprios, com participação das orquestras, em memória dos mortos daquelas agremiações religiosas.
Ao fim de cada missa, diante do ambiente funerário montado em frente à capela-mor de cada igreja, ou nos cemitérios, o celebrante reza em latim o ofício dos defuntos, que são ritualizados com aspersão de água benta e incensamentos, cercado pelos irmãos e irmãs do sodalício, com tochas acesas e vestidos com hábitos, opas e murças. Verdes, vermelhas, roxas, azuis, marrons, cremes e pretas,
São celebrações incomuns, com ritos próprios e repertório musical específico, que em determinados momentos une a execução das composições barrocas com o dobre lamentoso dos sinos, como fazem quando estão a chamar para um enterro. Tradições que vieram de muito antigamente, repetidas desde não se sabe de que tempo, que, certamente, só são realizadas, com tamanha pompa, em São João del-Rei, pelos são-joanenses para os próprios são-joanenses.
Daí então que em São João del-Rei a cultura é natural, espontânea e viva, e faz parte do dia a dia!
E TEM MAIS!
Neste mesmo período, do dia 11 ao dia 21, acontece no Teatro Municipal a 41a Semana da Música. Na verdade, esta é uma "semana de 11 dias", para que todas as 11 bandas e orquestras da cidade se apresentem em concertos primorosos, executando um repertório variado, que vai do clássico ao popular, passando pela música barroca colonial de nossa região.
Os dois últimos concertos, inclusive, coincidem com o tríduo para Santa Cecília, que acontece também à noite, na matriz do Pilar. E para encerrar, no dia seguinte, 22, a padroeira dos músicos sai com sua harpa em um andor coberto de flores, por algumas ruas do centro histórico, num cortejo pequeno e breve, que nesta nossa terra é conhecido como rasoura.
- Agora sabendo disto, me responda uma coisa:
Com tão vasta, diversificada, intensa, e genuína programação cultural autêntica e peculiar, que somente no mês de novembro dura 23 dias seguidos, não podemos afirmar com segurança que a cultura de São João del-Rei é cotidiana como a própria vida? E que tem o diferencial de ser feita inteiramente por são-joanenses para são-joanenses?
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Texto e foto: Antonio Emilio da Costa
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