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Orações fortes amarram o amor nas esquinas e becos de São João del-Rei


Dizem que o mineiro é desconfiado de tudo e, tal qual São Tomé, só acredita naquilo que vê. Mas não é bem assim. Pelo menos em São João del-Rei, não é! A verdade é que os mineiros - e os são-joanenses em especial - guardam tudo a sete chaves, não alardeiam o que suspeitam nem proclamam o que imaginam e muito menos o que desconfiam. O que desejam, então...

O são-joanense acredita no que não vê e, mais do que isto, dialoga e se relaciona intimamente com o que a vista não alcança. Mas isto ele não confessa. Se por algum motivo - crença, promessa ou obrigação - tem que professar essa sua crença, o faz da forma mais anônima. Torna pública a sua fé com tanto segredo e tanto mistério que é impossível identificá-lo, mesmo que a revelação seja no local mais público, na mais movimentada esquina da cidade.

Você quer local mais visível, dia e noite, do que o sobradão do lado direito de quem se vira para a Matriz do Pilar, exatamente aquele onde começa o bequinho de degraus largos que disfarça as escadas e vai dar no Largo das Mercês? Pois é. Foi lá, nele, onde neste começo de 2020 se afixaram duas orações, independentes e separadas no tempo e no espaço, mas interligadas e complementares na sua intenção.

A primeira delas, exatamente na esquina, debaixo do colonial lampião, era uma reza de amarração. Palavras determinadas para encontrar, recuperar e reter um grande amor. Paixão arrebatadora, súplica determinada, sutis e certeiras ameaças, laços e nós que ninguém consegue desmanchar. O amor tem dessas coisas. Quando é forte, então, é cego e com ele nada nem ninguém pode. Desejo e papel ficaram lá dia e noite, debaixo do sol e da lua, molhados pelo orvalho e sereno, pela água da chuva, e enxugados pelo vento, escritos numa folha branca, com letras pretas, como flor de sonho, esperança e sentimento.

Dias depois, alguns passos mais à frente, uma nova oração, desta vez atrás da tela de metal e contida pelas grades de ferro forjado da azul janela térrea do mesmo casarão. A três palmos de altura do chão de paralelepípedos, a célebre Oração da Serenidade, para abrandar a fúria desesperada do amor em chamas e a súplica ardente da primeira reza forte, humildemente e com resignação, pedia assim:

"Dai-nos Senhor Serenidade para aceitar
as coisas que não podemos modificar
Coragem para modificar aquelas que podemos
e Sabedoria para discernir umas das outras!"

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Texto e foto: Antonio Emilio da Costa


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