Engana-se quem pensa que a religiosidade do povo são-joanense, no recorte do catolicismo, restringe-se às práticas, rituais e liturgias realizadas nas igrejas do centro histórico e de todos os bairros. Quanto mais belas, envolventes e encantadoras forem essas celebrações, sobretudo as tradicionalmente barrocas, mais elas são prestigiadas e frequentadas, pois refletem o paraíso que, principalmente os humildes, não encontram na terra. Se a beleza é, sem dúvida, o mais sedutor e lúdico instrumento de convencimento e educação, ela é também o mais suave, confortante e eficaz meio de evangelização. Principalmente nestes tempos estéreis, áridos e ásperos!
Entretanto, a despeito delas, muitos são-joanenses estabelecem um meio próprio para sua comunicação com o universo divino, com canais, formas, códigos, espaços e linguagens criados por eles mesmos. É uma comunicação direta, quase "ao pé do ouvido", sem necessidade de qualquer orientação, mediação, consentimento, aprovação ou interferência. Deste modo eles divinizam caminhos, purificam estradas, sacralizam territórios, criam linguagens, códigos e sinais que Deus, nas suas infinitas sapiência, onipotência, onipresença e onisciência, generosamente compreende. E com certeza responde, pois estas pessoas simples e de coração puro continuam praticando, a seu modo, esta forma de religiosidade particular.
Não é difícil perceber isto. Basta andar com olhar atento por São João del-Rei, sobretudo nas áreas de menor movimento, observando detalhadamente pequenos sinais que indiciam alguma forma de comunicação com o divino - comunicação inquestionável, já que se trata de uma esfera que é subjetiva e pessoal. Sendo assim, autônoma e independente, não cabe sobre ela julgamentos nem considerações de qualquer natureza.
A imagem acima, colhida há cerca de três meses, nas cercanias da Rua Padre Faustino, no centro, não só inspirou este post quanto é a materialização do que ele sugere seja refletido. Em uma pedra, no alto de um morro, onde atravessa um beco rústico e bucólico, algum fiel depositou cuidadosamente, como se fora em um altar, três estampas: Nossa Senhora Aparecida e São João Bosco, maiores em pé, e um santinho pequeno de Nossa Senhora de Fátima, deitada, com os pés voltados para a descida do beco.
Certamente esta "instalação" não foi um descarte, já que a forma em que se encontravam as estampas evidenciava respeito e dignidade. Quem sabe a intenção daquela alma devotada era criar ali um oratório fugaz, breve como tudo em nosso tempo, afixando ali um marco de fé e pedido de proteção contra toda a arbitrariedade, autoritarismo, ignorância, intolerância, racismo,misoginia, desigualdade, fobias e todas outras formas de violência que aterrorizam nossos dias?
Texto e foto: Antonio Emilio da Costa
Comentários
Postar um comentário