Pular para o conteúdo principal

Betas de São João del-Rei. Se o homem foi feito de barro, o são-joanense, foi feito de ouro!


Em São João del-Rei, o Ciclo do Ouro já acabou há muito tempo, mas deixou em nossa cidade um patrimônio valiosíssimo, tanto construído quanto imaterial. E não estamos falando aqui apenas da paisagem colonial, com suas belas igrejas, pontes, monumentos e toda a paisagem urbana, nem somente das tradições barrocas que tão bem conservamos até hoje, e que nos fazem únicos no Brasil e no mundo. Estamos falando também do nosso modo de ser, pensar e ver o mundo; do nosso modo de comportar diante da vida; imaginar, entender e explicar o que não se vê e o quê, com que, não se pode. Nossa essência, são-joanense, é de ouro!

Mas além disso tudo o metal dourado, de onde saiu, nos deixou mais. Uma riqueza de valor inestimável, pouco conhecida e menos ainda valorizada, sobretudo para fins culturais e turísticos: as betas de ouro. Somente no centro histórico e arredores, elas são muitas - há quem fale em mais de 20! - o que também é extraordinário em relação às demais cidades históricas.

Porém muito pouco se fala sobre nossas betas. Salvo uma ou outra matéria de jornal ou de televisão, publicada ou veiculada há vários anos, nada mais se falou publicamente sobre esse assunto. Sabe-se que quase todas estão cobertas de lixo e muitas, no fundo de quintais particulares, certamente nem  foram mencionadas em possível relação que eventualmente tenha sido feita por algum estudioso ou por alguma instituição sobre esse bem histórico-cultural.

Sabe-se também que elas são objetos de alguns trabalhos científicos, mas como é comum na relação do universo acadêmico com a comunidade (e isso é uma pena1), essas produções não conseguem ultrapassar os portões dos territórios do saber e se transformar em conhecimento para a população local, ganhando assim verdadeira e imediata utilidade pública.

Sabemos um documentário precioso sobre esse assunto, exibido no Museu Regional, que refere-se muito valorosamente aos mineradores e seus descendentes,  ao falar sobre a importância do Alto das Mercês e do Ribeirão de São Francisco Xavier na gênese de São João del-Rei. Sabemos também da existência de uma pesquisa de mestrado realizada na Universidade Federal de Pelotas, chamada "Ouro, lenda e identidade: reflexões sobre a prática mineradora na cidade de São João del-Rei", desenvolvida por Ana Flávia N. Paes, apresentada parcialmente no II CONINTER - Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades, em Belo Horizonte, há cinco anos.

A Universidade de São João del-Rei, por meio do Museu do Barro, pelo que foi apresentado na Semana de Museus, também considera e estuda a(s) beta(s) que existe(m) naquele sítio. Entretanto, ao que parece, para a comunidade / sociedade são-joanense, de modo geral, nada mais existe relacionado ao Ciclo do Ouro em nossa cidade a não ser os documentos históricos e o patrimônio cultural arquitetônico, urbanístico e imaterial já mencionados.

Sendo assim, a impressão que se tem é que a cidade desconhece essa riqueza que possui e não sabe, ou não pensa, que pode "explorá-la" (êpa!, no bom sentido!) para, por meio dela, aumentar o interesse de visitantes por nossa São João, incrementar o movimento turístico com novos atrativos, gerar mais empregos e, assim, ao mesmo tempo, melhorar a qualidade de vida da população, dinamizar o comércio  e aumentar a arrecadação do município.

Que a Secretaria Municipal de Cultura, hoje tão atenta para a valorização e potencialização de nossa cultura, volte seu olhar para a riqueza, sob todos os aspectos, que as betas de ouro representam para nossa cidade. Que coloque esse assunto em pauta, congregando em torno dele todos os setores que a ele se relacionem, para que esses bens ganhem o reconhecimento que merecem, mobilizem os esforços necessários à sua valorização e se convertam em fonte de conhecimento e auto-estima para a população são-joanense, de informação e experiência para estudiosos, turistas e visitantes, de receitas para o comércio local e de divisas para o município.

..........................................................................................
Foto e texto: Antonio Emilio da Costa

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Debaixo de São João del-Rei, existe uma São João del-Rei subterrânea que ninguém conhece.

Debaixo de São João del-Rei existe uma outra São João del-Rei. Subterrânea, de pedra, cheia de ruas, travessas e becos, abertos por escravos no subsolo são-joanense no século XVIII, ao mesmo tempo em que construíam as igrejas de ouro e as pontes de pedra. A esta cidade ainda ora oculta se chega por 20 betas de grande profundidade, cavadas na rocha terra adentro há certos 300 anos.  Elas se comunicam por meio de longas, estreitas e escuras galerias - veias  e umbigo do ventre mineral de onde se extraíu, durante dois séculos, o metal dourado que valia mais do que o sol. Não se tem notícia de outra cidade de Minas que tenha igual patrimônio debaixo de seu visível patrimônio. Por isto, quando estas betas tiverem sido limpas e tratadas como um bem histórico, darão a São João del-Rei um atrativo turístico que será único, no Brasil e no mundo. Atualmente, uma beta, nas imediações do centro histórico, já pode ser visitada e percorrida. Faltam outras 19, já mapeadas, dependendo da sensi

Em São João del-Rei não se duvida: há 250 anos, Tiradentes bem andou pela Rua da Cachaça...

As ruas do centro histórico de São João del-Rei são tão antigas que muitas delas são citadas em documentos datados das primeiras décadas do século XVIII. Salvo poucas exceções, mantiveram seu traçado original, o que permite compreender como era o centro urbano são-joanense logo que o Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes tornou-se Vila de São João del-Rei. O Largo do Rosário, por exemplo, atual Praça Embaixador Gastão da Cunha, surgiu antes mesmo de 1719, pois naquele ano foi benta a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, nele situada e que originalmente lhe deu nome. Também neste ano já existia o Largo da Câmara, hoje, Praça Francisco Neves, conforme registro da compra de imóveis naquele local, para abrigar a sede da Câmara de São João del-Rei. A Rua Resende Costa, que liga o Largo do Carmo ao Largo da Cruz, antigamente chamava-se Rua São Miguel e, em 1727, tinha lojas legalizadas, funcionando com autorização fornecida pelo Senado da Câmara daquela Vila colonial.  Por

Padre José Maria Xavier, nascido em São João del-Rei, tinha na testa a estrela da música barroca oitocentista

 Certamente, há quase duzentos anos , ninguém ouviu quando um coro de anjos cantou sobre São João del-Rei. Anunciava que, no dia 23 de agosto de 1819, numa esquina da Rua Santo Antônio, nasceria uma criança mulata, trazendo nas linhas das mãos um destino brilhante: ser um dos grandes - senão o maior - músico colonial mineiro do século XIX . Pouco mais de um mês de nascido, no dia 27 de setembro, (consagrado a São Cosme e São Damião) em cerimônia na Matriz do Pilar, o infante foi batizado com o nome  José Maria Xavier . Ainda na infância, o menino mostrou gosto e vocação para música. Primeiro nos estudos de solfejo, com seu tio, Francisco de Paula Miranda, e, em seguida dominando o violino e o clarinete. Da infância para a adolescência, da música para o estudo das linguas, José Maria aprendeu Latim e Francês, complementando os estudos com História, Geografia e Filosofia. Tão consistente era seu conhecimento que necessitou de apenas um ano para cursar Teologia em Mariana . Assim, j