Quase nunca é um dia comum no centro histórico de São João del-Rei. Aliás, para ser mais exato, também quase nunca é uma noite comum no centro histórico de São João del-Rei. Basta ouvir os sinos de alguma das várias igrejas barrocas e sair pelas ruas e largos coloniais para ver que alguma coisa vai acontecer em breve. Se já não estiver acontecendo...
Na verdade, nenhuma cidade histórica brasileira possui uma religiosidade tão forte e tão intensa quanto São João del-Rei e nem a vive no dia a dia, com tamanho entusiasmo e alegria. Aliás, sem falsa modéstia, com tamanho brilho e felicidade. É por isto que aqui os sinos falam e tudo é festa: Festa dos Passos, Festa do Espírito Santo, Festa do Carmo, da Boa Morte, das Mercês, Festa de São Benedito, do Bonfim, e tantas outras.
O coroamento das Festas acontece sempre com uma (ou mais) grandiosa procissão. Não são raros os meses em que acontecem duas ou três, e até mais. Neste junho (2023), por exemplo, foram quatro, duas, inclusive, em uma única semana. Corpus Christi, Santo Antônio, Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e, juntos, os primos São João Batista e Coração de Jesus. Antigamente o santo do carneirinho, que clamava no deserto, batizava no Rio Jordão e se alimentava de mel e gafanhotos, tinha uma "festa" só para ele, no dia de seu aniversário, 24 de junho.
Mesmo as procissões mais curtas e mais modestas não são simples, nem realizadas apenas para cumprir uma tradição. Em todas elas prevalecem as respeitáveis pompa e solenidade, com tudo o que o povo são-joanense preservou e merece: andores ricamente enfeitados com flores naturais e sanefas de veludo ou brocado, tocheiros, turíbulos, crucifixo, resplendores e insígnias de prata, pálio de tecido distinto, e ela, sempre ela: a Banda de Música, quase sempre a Theodoro de Faria, que desde 1902, portanto há exatos 120 anos, espalha alegria e notas musicais pelas ruas por onde vai o cortejo. Reforçando o aspecto festivamente celebrativo, a maioria das procissões é encerrada com uma vistosa queima de fogos de artíficio.
Impossível para os são-joanenses não voltar feliz para casa, levando estrelas multicoloridas no olhar, a alegria das marchas e dobrados, o encantamento do Paraíso, materializado nas belas imagens, nas flores dos andores, no perfume do incenso, na elegância das opas, murças e hábitos das irmandades e confrarias. Impossível não voltar feliz para casa, levando consigo a certeza do eterno, nem que seja apenas em memória, recordação e lembrança.
As festas religiosas de São João del-Rei, subjetivamente, atuam como um calendário para os são-joanenses. São regulares como as quatro estações, independentes da vontade, capricho e vaidade de quem quer que seja. Sagradamente, servem até para marcar o tempo e ser referência para os mais vividos em suas decisões e iniciativas mais diversas. Acreditem, há quem espere passar a Festa do Espírito Santo para começar uma obra, qume espere passar a Semana Santa para ir ao médico e fazer um tratamento ou cirurgia, quem espere passar a Festa do Carmo para viajar de férias, quem marque o casamento para o mês de setembro, no clima da primavera e com as bênçãos de Nossa Senhora das Mercês.
Na velha São João del-Rei, a vida é feita de fé e festa. Assim como a festa nada mais é do que ter "a estranha mania de ter fé na vida!
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Texto e foto: Antonio Emilio da Costa
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