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Instituto Histórico de São João del-Rei não dá ponto sem nó!

 


Com quantas páginas, quantos parágrafos, quantas palavras se escreve a história do povo de um lugar? Pergunta difícil de responder, pois, com certeza, ninguém sabe. Ainda mais porque uma história não se escreve só com palavras. Primeiro a história tem que ser vivida, ou seja, ser escrita com a própria vida, pelos personagens que são seus protagonistas reais. Depois ser registrada ou resgatada, e contada, não só por meio de palavras, mas também nos mais diversos suportes, como por exemplo fotografias, filmes, sons, desenhos, pinturas e bordados.

Mas por falar em bordados, tem uma coisa que pouca gente sabe: o Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei não dá ponto sem nó. Isto mesmo, o Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei não dá ponto sem nó. Tanto que desenvolve um projeto inovador de resgatar e divulgar aspectos humanos importantes da história de nossa cidade, utilizando principalmente linhas coloridas, agulhas bastidores e tecidos. O projeto chama-se Bordando a história e já produziu e lançou dois livros:

O primeiro reúne algumas Cantigas Colligidas, criadas pela educadora são-joanense Alexina de Magalhães Pinto. Estas cantigas eram parte dos avançados métodos didático-pedagógicos de sua autoria, verdadeiramente muito à frente de seu tempo (1869 - 1921). Há quem diga que Alexina Pinto foi também a primeira folclorista brasileira e influenciou o interesse da memorável poetisa Cecília Meireles por realizar pesquisas e produzir desenhos sobre o tema cultura popular brasileira, em especial o samba e as religiões de matriz africana no Rio de Janeiro, no início do século 20.

O segundo livro, batizado de Pelos Fios da Memória, conta a singular história de Geraldo José da Silva (1942 - 2021). Geraldo foi a expressão popular do são-joanense autêntico dos últimos 80 anos: um homem simples, digno, de origem e vida humilde, gentil e profundo conhecedor em detalhes da história de São João del-Rei. Era amante incondicional de cultura de nossa terra, sobretudo das procissões e das tradições barrocas realizadas há mais de 300 anos pelas irmandades da Matriz do Pilar.

Treze bordadeiras e dois desenhistas formam a equipe deste projeto, que é coordenado pela educadora Maria Lúcia Monteiro Guimarães. Para todos os quinze, ao criar os desenhos e bordar as histórias, eles estão também participando de uma história que já começou há muito tempo e que, enquanto for contada e lembrada, não terá fim. Sendo assim, um dos hinos deste projeto bem  poderia ser a música O linho e a linha, de Gilberto Gil. Fica aí uma sugestão! A música começa assim: 

"... É  a  sua vida   que  eu  quero  bordar  na  minha,  como  se  eu fosse o linho     e você fosse a linha..."

Bordar a história nos leva aos tempos da Mitologia Grega. Ariadne, por exemplo, ajuda Teseu a sair do confuso e sombrio labirinto, e livrar-se do temido Minotauro, entregando-lhe um carretel de linha para desenrolar por onde passasse. Marcando o caminho percorrido, ele teria a orientação necessária para não se perder no emaranhado dos túneis escuros. 

 Toda história, tal qual o labirinto do Minotauro, é um emaranhado de ações, omissões, interesses, indiferenças, atos e fatos que formam uma trama muitas vezes incompreensível e quase sempre interminável, porque sucessivamente dá origem ou se desdobra em outras tramas. Por isto, para compreendê-la, é fundamental desatar os nós, desembaraçar os fios, separar em cores, para, então, pacientemente, matizá-las ponto a ponto no tecido social e temporal de nossa existência social e coletiva. Conhecendo a história passada é mais fácil escrever a história que faremos daqui pra frente!

O Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, sabendo disto, não dá ponto sem nó. Visionária, a instituição age decidida para que, no tecido do tempo e da vida, o fio da história não termine frouxo, bambo, solto, ameaçando a perenidade do bordado e o recado que o livro de pano quer transmitir!

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Texto e foto: Antonio Emilio da Costa


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