Pular para o conteúdo principal

Setembro é uma primavera de poesia e fé em São João del Rei

 


Antes mesmo que chegue a primavera, a fé e a religiosidade florescem todos os dias do mês de setembro em São João del-Rei. Senhor dos Montes, Bom Jesus de Matosinhos, Exaltação da Santa Cruz, Nossa Senhora das Dores, Bom Jesus dos Perdões, Chagas de São Francisco, Nossa Senhora das Mercês, Nossa Senhora do Parto, Santa Teresa, São Miguel Arcanjo, Anjos Custódios - faltam dias ao calendário para acomodar tantas celebrações, que se dão por meio de novenas, tríduos, missas, procissões, rasouras, bênçãos, te deum's e outros barroquíssimos ritos litúrgicos e para-litúrgicos.

Sinos de todas as torres, de quase todas as igrejas e capelas do centro histórico tocam várias vezes por dia; às 12 horas e às 6 da tarde um alto-falante, do alto da igreja das Mercês, entoa para toda a cidade uma prece musical à Rainha Mercedária. As bandas de música, as orquestras, os corais - cada um a seu modo, no horário próprio e no lugar certo - enriquecem o universo sonoro da cidade com antífonas, responsórios, ladainhas, hinos, marchas, dobrados e canções de entusiasmo, alegria e louvor.

Como o sereno da madrugada que orvalha as relvas e as flores, faz brotar as lembranças e as saudades na alvorada, São João del-Rei se despede, doce, do inverno, no mês que mais parece um poema de antigamente. Setembro. 

Setembro. / O manacá, a dama da noite e a flor de laranjeira, com seu perfume doce, emolduram a noite fresca no Largo das Mercês.

Entre a novena na igreja singela e os dobrados que a banda toca, desejos humanos afloram no pedreiro da Rua do Ouro, na tecelã da Fábrica Sanjoanense. 

O homem que sofre do coração, debruçado na janela do Hospital, ainda aguarda a saúde e o futuro, que se esperava chegassem de Curvelo, de Baependi, de Aparecida do Norte, no avião da barraquinha de jogos. 

Dois patinhos na lagoa. Quem vai querer? Dois pés de meia. Um atrás do outro. Alguém tem? Idade de Cristo. Quem vai ganhar? Violão sem braço, trinca mas não racha. E o frango assado com a garrafa de vinho, vai pra quem? Pra ninguém...  

Assim, entre setembro e setembro, a existência se cumpre. Vencendo tempo e espaço, é no cheiro doce daquelas flores de esperança e sonho que os desejos se eternizam. Que os sentimentos se perpetuam pela renovação, brotando sempre, para sempre, com as primaveras.

..................................................................

Texto, foto e poema: Antonio Emilio da Costa

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Debaixo de São João del-Rei, existe uma São João del-Rei subterrânea que ninguém conhece.

Debaixo de São João del-Rei existe uma outra São João del-Rei. Subterrânea, de pedra, cheia de ruas, travessas e becos, abertos por escravos no subsolo são-joanense no século XVIII, ao mesmo tempo em que construíam as igrejas de ouro e as pontes de pedra. A esta cidade ainda ora oculta se chega por 20 betas de grande profundidade, cavadas na rocha terra adentro há certos 300 anos.  Elas se comunicam por meio de longas, estreitas e escuras galerias - veias  e umbigo do ventre mineral de onde se extraíu, durante dois séculos, o metal dourado que valia mais do que o sol. Não se tem notícia de outra cidade de Minas que tenha igual patrimônio debaixo de seu visível patrimônio. Por isto, quando estas betas tiverem sido limpas e tratadas como um bem histórico, darão a São João del-Rei um atrativo turístico que será único, no Brasil e no mundo. Atualmente, uma beta, nas imediações do centro histórico, já pode ser visitada e percorrida. Faltam outras 19, já mapeadas, dependendo da sensi

Em São João del-Rei não se duvida: há 250 anos, Tiradentes bem andou pela Rua da Cachaça...

As ruas do centro histórico de São João del-Rei são tão antigas que muitas delas são citadas em documentos datados das primeiras décadas do século XVIII. Salvo poucas exceções, mantiveram seu traçado original, o que permite compreender como era o centro urbano são-joanense logo que o Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes tornou-se Vila de São João del-Rei. O Largo do Rosário, por exemplo, atual Praça Embaixador Gastão da Cunha, surgiu antes mesmo de 1719, pois naquele ano foi benta a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, nele situada e que originalmente lhe deu nome. Também neste ano já existia o Largo da Câmara, hoje, Praça Francisco Neves, conforme registro da compra de imóveis naquele local, para abrigar a sede da Câmara de São João del-Rei. A Rua Resende Costa, que liga o Largo do Carmo ao Largo da Cruz, antigamente chamava-se Rua São Miguel e, em 1727, tinha lojas legalizadas, funcionando com autorização fornecida pelo Senado da Câmara daquela Vila colonial.  Por

Padre José Maria Xavier, nascido em São João del-Rei, tinha na testa a estrela da música barroca oitocentista

 Certamente, há quase duzentos anos , ninguém ouviu quando um coro de anjos cantou sobre São João del-Rei. Anunciava que, no dia 23 de agosto de 1819, numa esquina da Rua Santo Antônio, nasceria uma criança mulata, trazendo nas linhas das mãos um destino brilhante: ser um dos grandes - senão o maior - músico colonial mineiro do século XIX . Pouco mais de um mês de nascido, no dia 27 de setembro, (consagrado a São Cosme e São Damião) em cerimônia na Matriz do Pilar, o infante foi batizado com o nome  José Maria Xavier . Ainda na infância, o menino mostrou gosto e vocação para música. Primeiro nos estudos de solfejo, com seu tio, Francisco de Paula Miranda, e, em seguida dominando o violino e o clarinete. Da infância para a adolescência, da música para o estudo das linguas, José Maria aprendeu Latim e Francês, complementando os estudos com História, Geografia e Filosofia. Tão consistente era seu conhecimento que necessitou de apenas um ano para cursar Teologia em Mariana . Assim, j