Pular para o conteúdo principal

São João del Rei é a cidade histórica mais barroca do Brasil

 São João del-Rei é a cidade histórica mais barroca do Brasil. Você duvida? Então, pense comigo.

Você está em casa em uma noite qualquer e, de repente, escuta os sinos tocarem, avisando que algo extraordinário está acontecendo. E, para confirmar este aviso, escuta também uma banda de música tocando, alegre, marchas, dobrados e hinos religiosos, na cadência ritmada de um coração que bate feliz.

Então, diante destes sinais de um  imprevisto encantamento, logo você se pergunta:

- O que pode ser extraordinário em São João del-Rei, se aqui a festa, o esplendor, a magia, a beleza, as cores, as flores, a delicadeza, a música, o perfume, as luzes, a alegria, a solenidade, o sonho, a imaginação, a fantasia, a realidade e a criação fazem parte do dia a dia?

Não é preciso ser, nem estar, atento para perceber que, principalmente nas praças, largos, becos e ruas do centro histórico são-joanense, em vários momentos do dia se vive em outro tempo, consumindo, produzindo, reproduzindo, reacendendo, ressuscitando, renovando, mantendo, conservando e preservando sinais, atitudes, pensamentos, comportamentos e sentimentos barrocos que unem céu e chão, separam o bem do mal, apartam a sorte do infortúnio, apontam o bom e o ruim, transitam da vida à morte, entre os paraísos e os infernos, de todos e de cada um. Tudo com intensa paixão, exagerada emoção, extremada contrição, exacerbada sensação, desmedida ilusão, incontida sedução, tal qual era nos séculos 18 e 19... Em que outra cidade histórica brasileira isto acontece?

Se é alegre ou triste? Não importa. Tudo é contado, narrado, descrito, sentido, vivido, mantido ou omitido e exorcizado na ambiência de uma festa para os sentidos. É pompa, é rito, é liturgia, é signo, é código, é sinal, é lembrança, memória e tradição. O espírito barroco paira, perenemente, sobre São João del-Rei.

Repetindo o que se fazia no tempo do ouro, o sino toca. A banda toca. A orquestra toca. A orquestra canta, o coral canta, a Verônica canta, o padre canta, o povo canta. A música encanta, assim como também encantam os ofícios, as novenas, os tríduos, as quinqüenas, as trezenas, as procissões e rasouras, com seus motetos, antífonas, invocatórios, responsórios, ladainhas; com as chuvas de pétalas de rosas, as palmas calorosas, os vivas entusiasmados e espontâneos e os fogos coloridos de artifício. Neste oásis de ilusionismo e felicidade, é o céu que desce à terra ou é a multidão que sobre aos céus? Talvez sejam as duas coisas...

Congadas, Catopés e Folias aqui também têm sua vez, trazendo de longe, para este tempo e para este lugar, em cortejo, a magnitude de nossa raiz, e matriz, africana. Expressando a sabedoria de uma cultura ancestral, trazem consigo a sagrada força telúrica, em seus cantos de voz profunda, em seus adereços e amuletos míticos, seus movimentos firmes, sua presença e resistência nobre e sincera. Magia ilusionando a dura realidade.

Tudo sempre, a seu tempo, todo mês, quase todo dia, brilhando nos olhos, correndo nas veias, batendo no peito, dando alívio, alegria, esperança, conforto, dignidade... Dando vida à vida em São João del-Rei.

O sagrado é profano. O profano é sagrado. Aqui, tudo é sagrado e profano. O barroco é vivo, o barroco vive, desde sempre, e para sempre, em São João del-Rei.

............................................

Texto e foto: Antonio Emilio da Costa



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Debaixo de São João del-Rei, existe uma São João del-Rei subterrânea que ninguém conhece.

Debaixo de São João del-Rei existe uma outra São João del-Rei. Subterrânea, de pedra, cheia de ruas, travessas e becos, abertos por escravos no subsolo são-joanense no século XVIII, ao mesmo tempo em que construíam as igrejas de ouro e as pontes de pedra. A esta cidade ainda ora oculta se chega por 20 betas de grande profundidade, cavadas na rocha terra adentro há certos 300 anos.  Elas se comunicam por meio de longas, estreitas e escuras galerias - veias  e umbigo do ventre mineral de onde se extraíu, durante dois séculos, o metal dourado que valia mais do que o sol. Não se tem notícia de outra cidade de Minas que tenha igual patrimônio debaixo de seu visível patrimônio. Por isto, quando estas betas tiverem sido limpas e tratadas como um bem histórico, darão a São João del-Rei um atrativo turístico que será único, no Brasil e no mundo. Atualmente, uma beta, nas imediações do centro histórico, já pode ser visitada e percorrida. Faltam outras 19, já mapeadas, dependendo da sensi

Em São João del-Rei não se duvida: há 250 anos, Tiradentes bem andou pela Rua da Cachaça...

As ruas do centro histórico de São João del-Rei são tão antigas que muitas delas são citadas em documentos datados das primeiras décadas do século XVIII. Salvo poucas exceções, mantiveram seu traçado original, o que permite compreender como era o centro urbano são-joanense logo que o Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes tornou-se Vila de São João del-Rei. O Largo do Rosário, por exemplo, atual Praça Embaixador Gastão da Cunha, surgiu antes mesmo de 1719, pois naquele ano foi benta a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, nele situada e que originalmente lhe deu nome. Também neste ano já existia o Largo da Câmara, hoje, Praça Francisco Neves, conforme registro da compra de imóveis naquele local, para abrigar a sede da Câmara de São João del-Rei. A Rua Resende Costa, que liga o Largo do Carmo ao Largo da Cruz, antigamente chamava-se Rua São Miguel e, em 1727, tinha lojas legalizadas, funcionando com autorização fornecida pelo Senado da Câmara daquela Vila colonial.  Por

Padre José Maria Xavier, nascido em São João del-Rei, tinha na testa a estrela da música barroca oitocentista

 Certamente, há quase duzentos anos , ninguém ouviu quando um coro de anjos cantou sobre São João del-Rei. Anunciava que, no dia 23 de agosto de 1819, numa esquina da Rua Santo Antônio, nasceria uma criança mulata, trazendo nas linhas das mãos um destino brilhante: ser um dos grandes - senão o maior - músico colonial mineiro do século XIX . Pouco mais de um mês de nascido, no dia 27 de setembro, (consagrado a São Cosme e São Damião) em cerimônia na Matriz do Pilar, o infante foi batizado com o nome  José Maria Xavier . Ainda na infância, o menino mostrou gosto e vocação para música. Primeiro nos estudos de solfejo, com seu tio, Francisco de Paula Miranda, e, em seguida dominando o violino e o clarinete. Da infância para a adolescência, da música para o estudo das linguas, José Maria aprendeu Latim e Francês, complementando os estudos com História, Geografia e Filosofia. Tão consistente era seu conhecimento que necessitou de apenas um ano para cursar Teologia em Mariana . Assim, j