A Quaresma e a Semana Santa são o tempo mais importante de São João del-Rei. Lendo ou ouvindo assim, pode parecer que há algo errado, desafinado, nesta afirmação, mas não -, é isso mesmo! A Quaresma e a Semana Santa são o tempo mais importante de São João del-Rei.
Mais do que o período do ano que compreende 48 dias e constitui o mais expressivo e intenso marco do calendário religioso e cultural da cidade, aqui as celebrações, orações, liturgias, sermões, cantos, reflexões e ritos oriundos do século 18, instituídos para relembrar a Paixão de Cristo, são tão marcantes que, na verdade, quase instituem uma outra era.
Um tempo marcado pela emoção, pela religiosidade, pelo inconsciente e individual e coletivo resgate histórico-ancestral, pela crença, pela fé, pela esperança, pela beleza estética que leva os são-joanenses, imaginariamente, para um outro mundo, que muito parece ser o espelho do Paraíso. Com suas cores, seus perfumes, suas flores, sua música, seus silêncios.
Com Deus Pai todo poderoso, em seu trono, regendo as potestades, Deus Filho humano e generoso, correndo o mundo a ensinar o perdão, perdoar e fazer milagres, e Deus Espírito Santo, a pomba da Paz e fogo, que aquece os corações irradiando dons de amor, alegria, paz, longevidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão e temperança. E também com a Virgem Maria, o Cordeiro de Deus, os anjos, arcanjos querubins e serafins, as Virtudes, os Profetas, os Evangelistas, os Apóstolos, os Mártires, Santos e Santas e toda a Corte Celeste.
Em 2020, às vésperas do ponto culminante da Festa de Passos, com os depósitos das imagens veladas, as rasouras e as procissões do Encontro e da Soledade, a Pandemia se instalou no mundo, semeando sobressaltos de toda ordem. De imediato, tudo parou, pela surpresa planetária diante do vírus que trouxe o imprevisto fatal, mais temido do que a espada do Anjo Exterminador.
Contudo, em poucas semanas a Paróquia do Pilar encontrou formas de possibilitar que, mesmo remotamente, os são-joanenses - e também o mundo inteiro! - assistissem as tradicionais celebrações da Semana Santa de São João del-Rei. Com grande interesse, empenho e dedicação, tratou logo de adaptar todas as celebrações possíveis para serem realizadas no interior da catedral, com o menor número possível de pessoas, essencialmente apenas aquelas imprescindíveis para a realização das liturgias. E utilizou a tecnologia das mídias digitais para transmitir ao vivo as cerimônias, deixando-as disponíveis no Youtube, permitindo aos são-joanenses acompanhar e sempre rever, pela internet, as tradições religiosas que renovam sua fé e os situam no tempo, no território e no espaço.
Este ano (2021), por questões de segurança sanitária, certamente as comemorações da Quaresma e da Semana Santa em nossa cidade seguirão o mesmo modelo, adaptadas para realização interna na Catedral do Pilar. Mesmo sem o encanto do movimento luminoso das procissões em seus cortejos pelas ruas do centro histórico, as celebrações tradicionalmente ostentarão grande e artística beleza, posta a serviço de consolidar a fé, avivar a memória, aquecer a esperança, fortalecer o compromisso e a confiança em um mundo melhor e mais humano, trazendo ao universo são-joanense, imaginariamente, o Paraíso.
Sobre a antevisão do Paraíso, o psicanalista, educador e teólogo Rubem Alves, citando o filósofo Ernst Bloch, diz que a arte e a beleza "são uma estrela que antecipa e um canto de alento sobre o caminho que conduz o homem através das trevas". Na arte, que é uma oração pela volta do Paraíso, "mora o 'princípio da esperança', sinalizando uma antecipação da morada final do homem. A beleza anuncia uma possibilidade de felicidade que se abre diante dos homens, pela transformação do mundo. (...) O universo tem, para além de todas as misérias, um destino de felicidade. O homem deve encontrar o Paraíso!"
Sim, apesar das trevas e das misérias, o homem tem um destino de felicidade, que se completa sempre que ele se encontrar com o Paraíso. São João del-Rei sabe disso e pratica essa consciência há mais de 3 séculos. Toda Semana Santa!
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Foto e texto: Antonio Emilio da Costa
Foto: Catedral Basílica do Pilar - Capela do Santíssimo Sacramento (5a feira Santa, 2016)
Citação: ALVES, Rubem. Caro Senhor Roberto Marinho, Folha de São Paulo, 11/03/1998 - https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz11039810.htm
Viva São João. Del Rey.
ResponderExcluirVivaaaaa!!!!!
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