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Museu dos Sinos: você conhece a riqueza da paisagem sonora de São João del-Rei?

 Acabou o sábado, deu meia-noite, o sol nasceu, mas, no coração de São João del-Rei, quem declara e proclama o domingo é o toque dos sinos da Matriz do Pilar, pouco depois de badalar 7 horas. A partir de então, o correr da manhã é medido e contado pelos toques dos sinos do Carmo, do Rosário, de São Francisco, de São Gonçalo e das Mercês, chamando os fiéis para as missas dominicais. Assim, é impossível não saber que é domingo, no centro histórico de São João del-Rei.

Especificamente hoje (10 de janeiro) esta "rapsódia sonora" foi enriquecida por três toques fúnebres, às 9h, 10 e 11h, nos sinos da igreja do Rosário, informando o falecimento de algum membro da Confraria de Nossa Senhora do Rosário, que, fundada em 1708, é a mais antiga irmandade são-joanense, também uma das mais velhas do Brasil. E, minutos depois das 8 horas da noite, de um toque festivo especial nos sinos da Matriz do Pilar, anunciando que amanhã, com uma novena, começará a Festa de São Sebastião - mártir protetor contra a fome, a peste e a guerra. Em que outro lugar do mundo a sonoridade musical dos sinos é tão expressiva e está tão presente quanto em São João del-Rei? 

Entretanto, por mais que se diga e repita, poucos são-joanenses têm, verdadeiramente, noção do quanto o toque dos sinos particulariza, peculiariza e singulariza nossa cidade, consolidando uma paisagem sonora que é única em todo o planeta. E por não terem esta dimensão, não desfrutam desta tamanha riqueza, nem a valorizam como a preciosidade que ela é. Patrimônio Imaterial Brasileiro!

Além de bela, a linguagem dos sinos é vasta, diversa e plena de sons, ritmos, sequências, frequências, intensidades e compassos. Nos tempos atuais, exceto os sineiros e fora os toques mais comuns, poucos são-joanenses jovens aprenderam a identificar, no dia a dia, o que os sinos dizem. Os que moram no centro histórico, principalmente nos arredores das igrejas barrocas e conhecem minimamente o tradicional calendário religioso católico local, sabem apenas identificar genericamente quando se trata de um toque fúnebre, chamada para missa, novena, via sacra e procissão. 

Os que moram nos bairros, em sua maioria - salvo se tiverem, ou tiverem tido, alguma vivência nas igrejas coloniais -, dificilmente conseguirão decifrar as mensagens transmitidas pelos sinos, através de seu codificado repertório de dobres, repiques e badaladas.

Para o bem de todos e felicidade geral da nação, a cultura dos sinos de São João del-Rei tem um qualificado, dedicado, atuante e apaixonado "zelador" e defensor: o arquiteto André Dangelo. São-joanense, profundo conhecedor e empenhado estudioso da campanologia mundial, André conhece de perto e por dentro, há décadas, com absoluta propriedade, toda a dinâmica e a sistemática das torres e dos sinos de nossa cidade. Ele, que é uma importante autoridade no assunto, antes de mais nada, foi sineiro em nossa terra.

A André Dangelo, São João del-Rei deve - entre outras ações e iniciativas - a criação do Museu dos Sinos, inaugurado no dia 15 de dezembro de 2018, como marco das comemorações dos 305 anos da Vila de São João del-Rei. Único em seu gênero no país e instalado na igreja do Carmo, denominado Sentinelas Sonoras, o museu é um espaço cultural que, além de peças campanológicas de grande valor histórico, relacionadas à história sineira de nossa cidade, fundamenta-se em avançado conceito museológico. Para envolver ainda mais os visitantes, o  museu privilegia não só os aspectos informativos e educativos em relação à importância dos sinos na cultura de São João del-Rei, mas também vale-se de recursos sensoriais, como a possibilidade de ouvir em fones individuais os diversos toques dos sinos são-joanenses. 

Na sociedade digital, cada vez mais veloz e excessiva de apelos e informações tão imediatas quanto passageiras e descartáveis, é compreensível, e até mesmo previsível, que os toques coloniais dos sinos de São João del-Rei não sejam massivamente conhecidos por toda a população local. Tanto que, não raramente, se ouve alguns toques e não se consegue saber, de imediato, o que eles estão anunciando.

Uma medida resolutiva neste sentido seria criar uma seção no site da Diocese de São João del-Rei, ou outro mais viável ou mais adequado, que informasse os toques de cada dia: igreja, horário e finalidade. Deste modo, as pessoas teriam onde consultar sobre os toques que estivessem ouvindo, efetivavando-se deste modo, na prática, a função informativa dos sinos!

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Texto e foto (Torres da Matriz do Pilar): Antonio Emilio da Costa

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