Não é sem motivo que muitas comemorações religiosas de São João del-Rei são popularmente chamadas de festas. Afinal, mesmo sendo eventos quase cotidianos no calendário sociocultural da cidade, são "fenômenos" extraordinários, que funcionam como parêntesis na rotina e criam uma nova territorialidade tempo/espaço no dia a dia dos são-joanenses. Sobretudo daqueles que vivem intensamente ou acompanham de perto tudo o que acontece no centro histórico da velha cidade, surgida no alvorecer do século XVIII.
Assim como as festas sociais, inclusive as predominantemente profanas, as festas religiosas também são precedidas de desejo, espera e expectativa. Elas são como ponteiros de um relógio memorável, que marca a passagem de um tempo existencial. Para o povo daqui, essa marcação, por ser subjetiva, é mais precisa, importante e acreditada do que a sucessão das estações do ano, que informam quantas voltas a Terra já deu e em que posição ela se encontra no seu giro em torno do sol.
Se no aniversário pessoal, há quem colha "mais uma rosa em seu jardim", quando o Carnaval termina, no fim a Terça-feira Gorda ou no amanhecer da Quarta-feira de Cinzas, ou quando à meia-noite da Semana Santa a Procissão do Enterro chega na Matriz do Pilar e dá por encerrada a Sexta-feira da Paixão, as sentenças de despedida são fortes, concisas, decisivas e enfáticas: "agora só no ano que vem". Quem nunca ouviu ou repetiu, nestas datas, esta frase definitiva? Eu já ouvi, inclusive, a expressão de um desejo melancólico: "tomara que eu esteja vivo de novo no ano que vem..."
Ainda hoje, as festas de louvor às várias invocações de Nossa Senhora e aos santos padroeiros, como Santo Antônio, Senhor dos Montes e Senhor do Bonfim, entre outros, trazem consigo, além do habitual indicador de tempo, um outro elemento, especialmente mágico em seu poder de nos fazer voltar - ou trazer de volta para o presente - o passado. São as barraquinhas de doces, salgados e jogos inocentes, onde se come lembranças de um tempo antigo, na forma de amor-em-pedaço, canudinho de doce de leite, cocada, pé-de-moleque, quentão, cigarrete, canjica e caldos diversos. Carrocinhas de pipoca e de algodão doce, tabuleiros de maçã do amor e quebra-queixo, também sempre tem por perto!
Nos largos, quem já está deixando a infância, se junta aos mais velhos na barraca da víspora e no desejo de conquistar na sorte guloseimas como, frango assado com farofa e uma garrafa de vinho, bolo de chocolate e um litrão de refrigerante, cesta de café da manhã, torta de frutas, vasos e buquês de flor. Os números que trazem a sorte são cantados em códigos consagrados e divertidos, como por exemplo "agora que vai começar o jogo", para anunciar o número 1, ou "dois patinhos na lagoa", referindo-se à dezena 22. Lembranças telúricas da fartura do mundo rural, os números ainda são marcados com milho ou feijão nas cartelas de papel grosso.
A pescaria, de coloridos peixinhos de papel ou metal, fincados nos lagos de areia, concentra, distrai e desperta nas crianças menores a cobiça por bolas, balões, bonés, carrinhos, bonecas e outros brinquedos simples. É de menino que se torce o pepino! É ao pequeno que se ensina a fome e sede de festa!
Os namorados, os casais, as famílias, os viúvos, as viúvas, os solteiros, solitários, separados, os descrentes, os iludidos e os esperançosos. Os catadores de latinhas, os pedintes, os cães sem dono catando farelos que caem. Todos sob as torres, ouvindo os sinos, balançando a cabeça, sacudindo o corpo e batendo os pés no ritmo do dobrado que a banda toca. Buscando com o ouvido a música do alto-falante que hoje é só lembrança. Correndo o olhar no céu para acompanhar o movimento colorido e veloz dos fogos de artifício - estrelas cadentes que não aceitam nem realizam pedidos de boa sorte.
Todos têm direito e encontram nas festas religiosas de São João del-Rei um novo tempo e um novo espaço de memória e sonho para viver. Afinal, como dizem que disse Carlos Drummond de Andrade, "a vida necessita de pausas..."
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Texto, foto e vídeo: Antonio Emilio da Costa
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