Por mais que já se tenha visto 15, 30, 40, 50, 60 vezes, ou tantos anos mais já se tenha vivido, a emoção que sentimos diante de cada cerimônia da Festa de Passos de São João del-Rei é sempre a mesma: pura enlevação e absoluto encantamento! Como se fosse a primeira vez...
Desde cada Via Sacra solene, em que a cruz com o lençol branco, penitencial, e o crucifixo sagrado percorrem nas três primeiras sextas-feiras da Quaresma o mesmo trajeto nas ruas de pedra do centro histórico há quase 300 anos, parando na igreja de São Francisco e em cada um dos 5 passinhos, delicadamente enfeitados, ao som dos motetos do grande compositor são-joanense Ribeiro Bastos,
até as procissões de depósitos, quando as imagens da Senhora das Dores e do Senhor dos Passos saem misteriosamente veladas até as igrejas do Carmo e de São Francisco, ao som das bandas e dos sinos. As duas rasouras, na manhã do domingo, e a Procissão do Encontro, no fim da tarde,
e também até o tocante Setenário das Dores, com sua teatralidade sacra e emocionante, singular e única musicalidade, que culmina na sexta-feira que antecede a Semana Santa, com toques intensos de sino e uma procissão contrita, pungente e misericordiosa, a Procissão da Soledade, ou das Lágrimas.
Tudo na Festa de Passos é delicadeza e sentimento. Os sons, os cheiros, o tato, a visão, as relações e reações humanas, os ritmos e percursos do caminhar, os cenários, paisagens e a imaginação - tudo nos faz viver o que está além deste tempo, além deste mundo, além de nós.
Feliz quem participa da preparação e dos bastidores desta Festa, inclusive nas tarefas mais humildes, pois tem oportunidade de vivenciar estes sentimentos na sua emoção mais pura: providenciar a limpeza e organização da sacristia da Irmandade, zelar das opas e murças, buscar, lustrar e montar os adereços, colocar velas nas tochas e lanternas, vestir as imagens, enfeitar e tomar conta dos andores, carregá-los nas procissões, organizar as alas e o ritmo do cortejo - como é religiosamente divino e gratificante ser parte destes processos.
Colaboração, compartilhamento, confraternização, coletivização e individualização de responsabilidades e até mesmo algumas gotas inesperadas de estresse - por quê não? Afinal, todos os irmãos e irmãs dos Passos querem que tudo saia perfeito e, nessa ânsia, é fácil se esquecer de que todos comungam do mesmo desejo, da mesma disposição, do mesmo empenho e da mesma responsabilidade.
Se na preparação anterior ou imediata da Festa a emoção é interna e subjetiva, bate no coração, no momento em que as Vias Sacras, missas, rasouras, procissões e Setenário estão acontecendo, o sentimento vem à flor da pele. Vaza no olhar, na firmeza ou dúvida do passo e da palavra, na voz que vacila ou sai entrecortada, no pulsar das memórias e no suspiro das lembranças.
A Festa de Passos tira a gente deste tempo e deste espaço. Leva-nos para um território sem agora, nem nunca; sem antes nem depois. Leva-nos para a Eternidade.
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Texto e foto: Antonio Emilio da Costa
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