Quem anda com o coração aberto em São João del-Rei colhe e recolhe imagens vivas de puro sentimento. Oportunidades de rever a vida e entender que a existência humana é breve e passa.
Dela, restará viva apenas alguma lembrança, por algum tempo.
Este poema é um retrato, tirado no entardecer de hoje (19/07), na Rua das Flores. Fará parte do livro A Paixão segundo São João (del-Rei), quando ele vier a ser publicado.
XIV Estação - Procissão das Lágrimas
Está doendo demais!, gritava a mulher negra aos prantos,amparada por dois homens negros, silenciosos.
Dos olhos dela desciam rios caudalosos, ladeira abaixo,
pelo beco, até a encruzilhada onde às vezes se encontram
o Espírito Santo, Nossa Senhora do Rosário e Santo Antônio.
A tarde fugia, o sino tocou Ângelus, mas nada adiantou.
Nenhum dos três veio trazer alento, obedientes ao que,
no Velho Testamento, pregou o profeta Jeremias:
"Grande como o mar é tua dor. Quem poderá te consolar?"
A tarde caiu mais um pouco. O cortejo parecia de almas vivas.
Denso, lento, digno, coberto pelo véu negro do silêncio
e pelo pálio da noite escura. Tal qual a Procissão do Enterro.
Ou mais triste. Sem matracas, Adão e Eva, Abrão e Isac, Noé,
Salomão e a rainha de Sabá, Verônica, Marias Beús, centurião,
a mulher só tinha ao seu lado a ausência e o Anjo da Amargura.
Já tinha herdado a solidão e por isso gritava aos prantos:
- Está doendo demais!
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Texto e foto: Antonio Emilio da Costa
Comovente! De tirar o fôlego. Adoreiii!
ResponderExcluirFoi real muito tocante, amigo. Tanto que interrompi minha trajetória para oferecer um copo d'água à mulher que chorava alto.
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