Nesta sexta-feira, que é a quarta da Quaresma, começa em São João del-Rei uma era muito profunda, quase ancestral, que, porém, dura não mais do que três dias: a Sexta-Feira das Dores, o Sábado de Passos e o Domingo do Encontro.
Os são-joanenses nativos ou adotivos, sabem de cor do que se trata, mas muita gente que é de outros lugares certamente não reconhecem em seu universo o sentido que tem aqui o quarto final de semana depois do Carnaval. Em São João del-Rei vive-se nestes dias, com grande liturgia, sentimentos e sensações, uma das mais emocionantes cenas da Paixão de Cristo. O Encontro de Jesus coroado de espinhos, e todo machucado,carregando uma grande cruz nas costas, com sua mãe serenamente desolada, cujo coração foi transpassado por quatro espadas de prata.
Tudo remonta ao século XVIII. Das imagens e andores, ora enfeitados com manjericão, ora com hortências e orquídeas, até a rosmaninha cheirosa espalhada pelo chão das igrejas barrocas. Do incenso que enfumaça e perfume o ambiente até o vigoroso, triste e apavorado toque dos sinos. Das músicas coloniais que a banda toca e que a orquestra canta até a contrição e encantamento do coração do povo que reza nas missas e acompanha as procissões.
A representação desta cena bíblica, na forma como é a Festa de Passos em São João del-Rei, é um ritual barroco ímpar, original e tipicamente são-joanense. Em datas diferentes ele é realizado também em outras cidades, inclusive nas demais cidades históricas de Minas, mas em nenhuma delas tem a expressão e a grandiosidade das celebrações realizada na "terra onde os sinos falam".
Especialmente para quem é observador, atencioso, as solenidades promovidas pela Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Passos de São João del-Rei é um inestimável e único tesouro. Suas riquezas tricentenárias conjugam elementos estéticos sensoriais refinados e raros, envolvendo, ao mesmo tempo todos os sentidos - a visão, a audição, o olfato, o tato e até mesmo o paladar.
Por isto, ao assistir a Festa de Passos não deixe de observar estes detalhes:
. A ambiência mística da Matriz do Pilar com os andores velados, antes da saída dos depósitos
. A bênção no momento em que o velário do andor vai ser fechado para saída dos depósitos, ao som de um moteto cantado pela Orquestra Ribeiro Bastos.
. Os dobres dos sinos nas saídas, percurso e chegada dos depósitos nas igrejas do Carmo e de São Francisco
. O encontro das irmandades nas procissões dos depósitos, na Rua Direita e em frente à Prefeitura
. A retirada dos velários, ao som do canto do Miserere, quando da chegada dos andores nas duas igrejas acima
. A figura de Maria Madalena e sua naveta de perfume
. A figura de São João Evangelista, com sua tradicional túnica verde e manto pregueado vermelho, com diadema de prata, levando à mão um livro e uma pena de prata
. O pálio vermelho, bordado com fios de ouro um céu estrelado, os suplícios da Paixão e outros símbolos pascais
. As rasouras do domingo na igreja do Carmo (8h) e na igreja de São Francisco (9h)
. O pendão roxo SPQR que vai na frente da procissão do Encontro, saindo da igreja de São Francisco
. Os cinco passinhos da Paixão delicadamente enfeitados
. As marchas das Dores, dos Passos e do Encontro que as bandas tocam nas respectivas procissões
. A parada do andor de Nossa Senhora das Dores em frente ao Cemitério do Carmo, quando a orquestra, alinhada na frente do maravilhoso pórtico, canta o moteto Domine Jesu
. A maravilhosa Melodia Fúnebre que a Banda do 11o Regimento de Montanha toca no adro da igreja de São Francisco, antes da saída da rasoura do Senhor dos Passos
. A tradição de passar três vezes debaixo da cruz do Senhor dos Passos, rodeando o andor em sentido anti-horário e beijando a fita roxa que pende da imagem
. Os anjinhos nas procissões, os altostocheiros de prata que vão à frente dos cortejos e as varas de prata com insignias de seus cargos, que os mesários das irmandades carregam
. O modo como as partituras são fixados com pregadores de madeira na parte de trás das golas dos músicos das bandas de música
. Os penachos de papel crepom roxo enfeitando os badalos dos sinos. Com o dobras dos sinos as fitas roxas vão se desprendendo, algumas caindo no chão e telhados e outras voando pelos ares, todas se movimentando com o vento
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Texto: Antônio Emilio da Costa
Foto: Sidney Saab
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