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Festival Inverno Cultural. São João del-Rei, o melhor da festa não é mais esperar por ela. É incorporá-la e transformar com ela...

Em São João del-Rei, desde o tempo do ouro, a alma é saudosa. O sentimento de despedida chega na véspera. Da alvorada à aurora, o começo de tudo é também o começo do fim de tudo. Afinal, aqui, acredita-se, é no fim que tudo acaba, definitivamente encerra, e se conclui. Sobram apenas a lápide e a lembrança.

Se em São João del-Rei é assim no individual, também o é no coletivo. A alegria do encontro termina nos prenúncios da partida; nas celebrações coletivas não são raros momentos finais que se esvaem em melancolia. O medo do fim o antecipa. O entusiasmo do Ano Novo não se prolonga até depois do almoço do dia 1º de janeiro. A alegria do Carnaval não insiste mais até o raiar da Quarta-feira de Cinzas. Até o Domingo da Aleluia tem cara de segunda-feira...

O festival Inverno Cultural já passa da metade. Muito já aconteceu, mas muito ainda está por acontecer. E, mais: pode continuar acontecendo - e não parar de acontecer nunca -, se todo mundo que nestas duas semanas está a vivenciar, por meio da arte, a possibilidade de uma nova realidade mantiver dentro de si acesos o espírito de mudança e o ideal transformador. Mesmo quem vê de longe percebeu que nestes dias, como canta Caetano Veloso, "alguma coisa está fora da ordem, fora da nova ordem mundial". Pensando melhor, percebeu que uma nova ordem é possível e está sendo vislumbrada.

Diante do horizonte aberto, do mundo novo, do amanhã-agora que a arte, a cultura, o saber, o conhecimento, o convívio pacífico, tolerante e generoso, o porvir e a felicidade apontam para quem vivencia o Inverno Cultural, como retroceder? Como reduzir tão rica experiência a fotos, vídeos, anotações, partituras, telas, gravuras, peças, números de telefone, endereços de e-mail, tweeters, facebooks e lembranças?

Não tem jeito... Agir assim é negar a responsabilidade humana e social, desperdiçar a oportunidade de crescimento transformador - coisa que uma hora a vida cobra. A Bíblia, por exemplo, diz claramente - "a cada um lhe é dado o que um dia será pedido", mensagem que parábolas milenares e histórias infantis ensinam desde que o mundo é mundo.

Então, meus caros, desfrutemos de tudo o que a programação desta semana nos proporciona. Nos instrumentemos de todo encanto, toda magia, todos os truques, todos os saberes e sabedorias que a cultura e a arte nos transmitem e vamos à luta. Semana que vem é outro dia...


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Ilustração da abertura: Cada um carrega a sua cruz - nobre carregador do violoncelo na Procissão do Senhor dos Passos e do banquinho da Verônica na Procissão do Enterro (anos 70 - alguém sabe o nome dele?) - Foto do autor

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